Brasileiro parou na pista para
ajudar Érik Comas, que lamenta não retribuir em Ímola, 94. Apesar de inusitada,
especialistas aprovam atitude de Senna.
Naquele fatídico 1º de maio de 1994,
enquanto Ayrton
Senna era
atendido pela equipe médica na
“maldita” curva Tamburello no circuito de Ímola, um carro vermelho desobedeceu
as bandeiras vermelhas, saiu dos boxes e parou próximo ao local do acidente que
tirou a vida do brasileiro. Era o piloto francês Érik Comas a bordo de sua
Larousse. Ele se aproximou do helicóptero e dos fiscais de pista, observou o
tricampeão gravemente ferido e ficou tão impressionado com a cena que não
continuou na prova e, no fim do ano, abandonou a Fórmula 1.
O grande choque de Comas tem explicação.
Ele tinha uma relação muito peculiar com Ayrton. Dois anos antes, os dois
vivenciaram papéis inversos. Há 20 anos, em uma sexta-feira de treinos em
Spa-Francorchamps, palco do GP da Bélgica do próximo fim de semana, o francês
bateu fortemente com sua Ligier na curva Blanchimont e ficou atravessado no
meio da pista.
Ao ver o colega acidentado, Senna imediatamente parou o carro no
circuito e, literalmente, saiu correndo para ajudá-lo. Ao perceber que o piloto
estava desacordado com o pé no acelerador, desligou o motor para evitar uma
possível explosão. Na sequência, ainda segurou a cabeça de Comas em uma posição
confortável, tendo certeza que o piloto respirava até a equipe médica chegar ao
local. Clique aqui para ver o vídeo com o lance. Anos depois, em um
depoimento emocionado à TV francesa, Érik Comas quebrou o silêncio sobre o
assunto e, grato pela atitude, disse que teve a vida salva por Ayrton.
Érik Comas, ex-piloto de F-1 (Foto:
Getty Images)
- Vi o vídeo depois, mas não lembro de nada. É como se minha memória
tivesse apagado momentos antes do impacto. O pneu dianteiro direito atingiu
minha cabeça e me levou a nocaute. Estava inconsciente, mas continuei com o pé
no acelerador. Ayrton chegou e ouviu o som dos giros do motor. Parou e correu
em minha direção enquanto ainda havia carros passando na pista. Eles estavam
mais lentos porque havia bandeiras amarelas, mas a pista não estava vazia. Ele
desligou meu carro. Naquele momento havia um risco real muito grande de explosão.
Como consequência da batida, havia alguns vazamentos e ninguém pode imaginar o
que teria acontecido. Ayrton salvou minha vida – contou o piloto de 28 anos,
que, após deixar a F-1, seguiu carreira no Turismo, colecionando vitórias no
Japão, além de participações na tradicional 24h de Le Mans, na França.
Dino Altmann, diretor médico do GP do Brasil desde 1990, destaca que,
apesar de inusitada, a atitude de Ayrton foi acertada. Ele lembra que o
brasileiro conhecia muito bem os procedimentos de primeiros socorros,
adquiridos em conversas com Sid Watkins, delegado da equipe médica e de
segurança da F-1 durante 26 anos, de quem era amigo próximo.
- Desde um acidente com Martin Donnelly, em 1990, Ayrton mostrava
preocupação crescente com segurança. Na época, ele foi próximo ao local e
assistiu o resgate. E Senna tinha grande proximidade com Sid Watkins. Eles eram
muito amigos, de ir pescar juntos no Brasil, no Pantanal. E em pescarias se
conversa muito, não é? Ele sempre perguntava o que poderia fazer para ajudar quando
se deparasse com algum acidente. E o Sid falava alguns procedimentos para serem
tomados. Então, mesmo como leigo, Senna sabia muito
bem o que fazer para ajudar a equipe médica. Não foi algo que ele foi lá mexer
sem saber o que estava fazendo. Ele sabia exatamente como proceder – destaca
Dino, lembrando a chocante batida que acabou por encerrar a carreira de
Donnelly em um treino em Jerez, na Espanha. O carro do britânico partiu em dois
e o piloto ficou solto na pista, preso apenas ao banco.
Sid Watkins foi delegado da equipe
médica da F-1
durante 26 anos (Foto: Getty Images)
durante 26 anos (Foto: Getty Images)
Sid Watkins: 'Ótimo
aluno'
Anos depois da morte de Ayrton, em entrevista ao renomado jornalista
britânico Nigel Roebuck, Dr. Sid Watkins elogiou a postura do brasileiro, a
quem classificou como "ótimo aluno".
- No caso de Donnelly, Ayrton observou o que fiz por cima dos meus
ombros. Eu nem sabia que ele estava lá. No dia seguinte, ele me disse: "Vi
o que você fez. Por que você fez isso, por que fez aquilo?". Depois, ele
chegou ao acidente do Érik Comas antes de qualquer um. Quando cheguei ao local,
Senna estava ajoelhado segurando seu pescoço do modo correto. Quando saímos,
ele falou: "era para ter certeza que ele estava respirando. Pedi aos
fiscais para manterem o capacete, para você examiná-lo". Ele era um ótimo
aluno. Vi que tudo que eu falava ficava na cabeça dele para sempre.
Diretor de prova do GP do Brasil durante 18 anos, Mihaly Hidasy lembra
que, pelas regras da categoria, parar o carro no meio do circuito seria uma
atitude passível de punição. No entanto, o húngaro naturalizado brasileiro
pondera que se tratava de uma ocasião especial, pois havia uma vida em jogo.
Mihaly deu as bandeiradas para as duas vitórias de
Senna em Interlagos (Foto: Arquivo Pessoal)
Senna em Interlagos (Foto: Arquivo Pessoal)
- Existe no regulamento que não se deve parar na pista sem motivos, ele
até poderia ser punido. Mas era um acidente, uma vida. É um assunto delicado,
difícil dizer que é certo ou errado. Em geral não é aconselhável parar na
pista. Imprudente foi, mas não era um motivo técnico, era um bom motivo, que
era salvar uma vida. Foi um gesto bonito - disse Mihaly, que teve o privilégio
de dar a bandeirada para as duas vitórias de Senna em Interlagos, em 1991 e
1993.
Mihaly também ressalta que o circuito de Spa-Francorchamps é um dos mais
extensos da Fórmula 1 e que, ainda mais naquela época, quando os procedimentos
de socorro eram menos ágeis, o atendimento a Comas poderia demorar a chegar, o
que poderia ser fatal.
- A Bélgica é um circuito muito longo. Acredito que ele tinha ciência
que talvez não tivesse carros de regaste por perto e o deslocamento não seria
muito rápido. Naquela época, há 20 anos, o sistema de resgate não era tão
eficiente quanto hoje – analisou.
Comentarista de automobilismo do SporTV, Lito Cavalcanti destaca que a
preocupação de Senna com a segurança contrastava com o estilo agressivo do
piloto dentro das pistas, mas elogia a iniciativa do tricampeão.
- Esse lance mostrava a preocupação que o Senna tinha com a segurança
nas pistas. Pilotando, Senna sempre se colocava na situação de "eu não vou
tirar o pé, se quiser a gente bate", mas com a carreira já consagrada,
começou a ter mais atitudes que demonstravam essa preocupação. Chegava a ser
até uma certa incongruência com o que ele apresentava. Nesta prova, não foi uma
atitude tão prudente, porque vinham carros atrás, mas foi correta. E o risco já
era reduzido, porque antes do setor já havia sinalizações para os carros
reduzirem. E ele salvou, realmente a vida do Comas. Foi o que aconteceu -
analisa.
Érik Comas: ' Ele salvou minha vida,
mas eu cheguei muito tarde'
A atitude de Senna fez Érik Comas ter muita admiração pelo brasileiro.
Dois anos depois do traumático episódio em Spa, quis o destino que os dois se
reencontrassem em papéis inversos. No mesmo depoimento à TV francesa, o piloto
contou que em 1994, em Ímola, tentou retribuir, mas era tarde demais, não havia
mais nada que ele pudesse fazer.
- Quando passei na curva Tamburello, os helicópteros médicos, as
ambulâncias, o carro de Ayrton, todos estavam lá. Vi que já estava colocado em
uma maca, então parei meu carro. Uma paralisia me bateu, porque eu estava
próximo de um homem que, dois anos antes, tinha salvado minha vida e eu não
podia fazer nada para ajudá-lo. Isso foi horrível. Ele salvou minha vida, mas
eu cheguei muito tarde. Eu não era médico, e o estado que ele estava era muito
pior que o meu. O acidente dele foi diferente do meu. Mas me encontrar naquela
situação, ao lado dele, me sentindo tão impotente, foi uma experiência
horrível. Fui o último piloto a vê-lo. Foi difícil aceitar que tive a honra de
fazer a última visita antes de ele ir embora. Para mim, foi o fim do livro na
Fórmula 1.
Fonte: Globo.com
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O Blog não é sobre o Ayrton, mas uma matéria dessas tinha que ser postada. É muito bonito ver como o Ayrton se importava e se preocupava com os outros. Que sirva de exemplo para muitos.
Bjinhos,
Ana
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